(*) Por André Naves.
Sabe aquele dito da roça, “inveja mata”? Pois lá nos antigamente mesmo, foi capaz de ser assim – Caim de olho no irmão, não deu outra: sangue no terreiro, o primeiro crime da história. A coisa era feia, não tinha papinho de perdão, não. Mas o tempo vai passando e, de grão em grão, a gente aprende um tanto.
Vê só o caso do José, aquele dos sonhos coloridos e casaco todo chique. O povo da família, roído de inveja, não teve coragem de acabar com o irmão feito Caim. Jogaram-no num buraco, o venderam feito gado no leilão. Já melhorou um pouco: deu tempo de contar história depois. E olha que da desgraça saiu coisa boa. Virou gente grande no Egito, salvou meio mundo de passar fome. A vida tem dessas: aperta, mas ensina.
E, nessa de viver, cada um com seu latifúndio. Nem precisa sonhar com prêmio grande igual Nobel. Dizia o professor Antônio Cândido — e ele sabia das coisas — que cronista de verdade só ganha prêmio do coração mesmo. Imagina, eu aqui, escrevendo, pensando que ninguém nota. Mas dias atrás, recebi um chamado: uma criança de 9 anos, com jeito de quem cria esperança, me disse que minhas palavrinhas tinham dado força para enfrentar a vida.
Naquele instante, vi que minha medalha tinha chegado: não era ouro, nem diploma, é o ‘trem bão’ que é tocar um pouquinho a vida do outro.
Literatura, meu amigo, é igual pão-de-queijo quente: acolhe, alimenta e, às vezes, salva até a alma. Camões, que já errou mais do que galinha nova cisca, redimiu-se na poesia. José achou a glória no fundo do poço. Eu, cronista de boteco, ganhei o maior prêmio com o telefonema de um menino.
No fundo, a gente só quer um tantinho de redenção – pra perdoar quem já foi Caim, vendido, quem já andou meio perdido. E, se a palavra não leva pro Nobel, que leve pelo menos até o coração de alguém. Já é prêmio demais para qualquer caipira sonhador.
Fonte: Andreia Constâncio andreia@libris.com.br/Ex-Libris Comunicação Integrada.