Por André Naves (*)
Quais suas superstições de Ano Novo? Todo mundo tem. Desde as mais corriqueiras, como se vestir de branco, amarelo ou outras cores, comer romãs, tâmaras e lentilhas, até algumas mais sofisticadas e charmosas. Esses dias, num desses programas da tarde, eu estava me divertindo com um sensitivo que dava todas as orientações para o ano que acaba de nascer. Era tanta coisa que a gente precisa comer – e colocar as sementes na carteira -, que a gente precisa usar uma pochete! E as cores, então? E vocês sabiam que dá para “pular ondas” no chuveiro ou na bacia?
Quem não tem praia, possui bacia! Pelo sim, pelo não, minha casa está toda decorada com flores amarelas e comi uvas, tâmaras, damascos e lentilhas! Mas tenho uma superstição super séria. Essa cumpro à risca! Todo fim de ano, entre o fim de dezembro até o começo de janeiro, adoro tomar chuva. Não vale qualquer garoinha, tem de ser daquelas que o céu preteja, como dizem lá na minha terra: Jacareí!
Meu pai, de memória extremamente abençoada, me ensinou. Tenho a desconfiança de que era um jeito de as crianças aprenderem brincando a ter coragem. O céu ia ganhando aqueles tons de chumbo e a roncar alto, e a gente (eu e meus irmãos), já se ouriçava. Minha mãe se preocupava, como sempre, mas sabia que não tinha muito jeito. No fim, ela entrava na dança.
E a chuva caía, então! Era água, vento, refresco, bagunça! A chuva, depois ele explicava, tirava as impurezas, tudinho de que a gente não precisa, limpa o corpo e a alma! Quando o Altíssimo mandou Abraão ir, ele foi! Era exatamente isso. Buscar o melhor de si mesmo! Atravessar seus próprios desertos! Remar até a terceira margem do rio “eu”, já escrevia Guimarães Rosa!
Coragem para ir, para fazer, para buscar! Limpos, purificados, despidos das ruindades do ano que terminou. E Abraão ganhou Isaque, aquele riso da realização. Essa brincadeira da chuva sempre terminava em riso!
Da coragem nasce o sorriso! Esses dias, fui almoçar na casa de minha sogra. Na volta, vínhamos – minha esposa e eu – pela rua quando desabou o mundo! Dentro do guarda-chuva molhava quase tanto quanto fora. Foi quando ouvi a voz: vai! Acho que o ouvi desde aquela eternidade oriental. E fui… saí do abrigo e fui caminhando por aquele dilúvio. Quando cheguei em meu prédio, estava igual um pinto molhado, diriam. Olhei pro pessoal e falei: “É… terra da garoa, né?”. Risada geral.
Coragem e riso! O ano está brotando! Que nesses tempos a gente tenha coragem para fazer, para construir, para trabalhar, para desenvolver e multiplicar nossos melhores talentos! Acima de tudo, vamos ter a coragem de sorrir!
(*) André Naves é defensor público federal, formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural. Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).
Fonte: Andreia Constâncio <andreia@libris.com.br>